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quinta-feira, maio 05, 2016

Sobre cuidados e auto cuidados



Ontem, no elevador indo ao meu consultório,  ouvi de uma senhora ao celular, que precisava desligar o telefone por que estava indo ao psicólogo e ele ia dar uma bronca nela, por que sempre tinham várias pessoas ligando.
Perguntei  a ela se o terapeuta estava errado. Ela não me respondeu.
Eu disse que a terapia é um espaço para a pessoa, ás vezes o único espaço que a pessoa tem para se cuidar. Disse também que muitas vezes há pessoas que nos ligam sem necessidade e se deixamos não temos como nos cuidar.
Ela me sorriu sem graça e disse que com ela é assim.
Estávamos chegando  ao andar que ela ia.
Me despedi, me desculpando pela intromissão. Disse que sou psicóloga e ás vezes o que ela entendia como bronca, era um toque. Ela me sorriu, desta vez não sem graça. Me deu um tchau com um sorriso largo.


Fiquei pensando. Nossa  sociedade  imputa as pessoas que cuidem de outros e algumas pessoas assim deixam de se cuidar.
Cuidar do outro é um valor ainda para muitos, embora vivamos em uma sociedade individualista e egoísta; mas muitos ainda precisam se repensar pois acabam deixando de cuidar de si mesmos e vivem deixando os auto cuidados de lado.
Como alguém que não se cuida pode cuidar de outros? Como vai ensinar pelo exemplo que cada um precisa se cuidar?
Algumas pessoas deixam de se cuidar, com a justificativa de que outros precisam delas, mas não percebem que estão se saturando e nem sempre vão receber o cuidado de quem cuidam, quando necessitarem. Depois, quando isso acontece, falam de ingratidão. E vão estar sós, por que a sua volta, só conseguiram pessoas que não a vêem como pessoas que  hora cuidam, hora precisam de cuidados. Afinal, todos precisamos em algum momento do outro.

Fiquei pensando também no que cada um vê como “erro”. No caso que relato, será que a senhora entende que é um erro não ter um tempo para si? Talvez não. Talvez  sua crença é de que muitos precisam dela.


Fiquei pensando também no que cada um vê como “bronca”. Um toque mais sério do psicólogo? Um toque sem um olhar carinhoso?
Quando um cliente traz isso para a terapia, podemos trabalhar essa compreensão. Nem tudo pode ser carinho, apesar de poder ser compreensão.

A terapia não é só palavra. Nossos olhos falam, nossas expressões faciais nos revelam.  E esses sinais acontecem a cada instante, não só na terapia.
As pessoas “aprendem” e “apreendem” que suas ações são afirmadas ou refutadas pelo outro, através também de sinais corporais.
Terapia é um espaço/tempo curto, mas é também uma aprendizagem que devemos levar para nosso cotidiano, se de fato, se quer modificar o que traz insatisfação na vida.
Terapia é processo, de um jornada pessoal e única, onde o terapeuta é companheiro de estrada.

Por acaso, passei na estrada dessa senhora, por um curtíssimo tempo. Sou uma profissional do cuidado.
Dei um toque sorrindo, mas ao mesmo tempo séria, por que em minha prática vejo muitas pessoas como ela. Se o toque ajudou? Talvez... por um breve tempo... talvez... mas o sorriso dela ao final se despedindo, não me pareceu de alguém que levou um bronca. Isso me deixou bem, por ter me intrometido em algo sem que me pedissem.

Fiquei pensando. Em uma sociedade aonde o carinho é artigo de luxo, muitos não vêem como carinho um toque de cuidado.

Fiquei pensando, cada um pode fazer algo, mesmo que seja pequeno.

Mais não pensei.
Clientes me aguardavam e cada um no seu tempo, cada um com suas crenças, cada um com sua história, cada um com sua história sobre o que é cuidar e ser cuidado.
Em cada estrada que sou companheira, um passo de cada vez.

Tania Jandira R. Ferreira
Maio/2016