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quinta-feira, março 26, 2015

FANATISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E PSICOSE






Esta semana, no dia 24/03, uma mulher com uma enxada, atacou a imagem de Nossa Senhora da Piedade, na igreja matriz de Belo Oriente. O sacerdote contou que enquanto a mulher desferia as enxadadas, conversava com a imagem, perguntando se “não ia reagir” e cantava músicas cristãs. Levada a delegacia, sem resistir a mulher não comentou a motivação de seu ato.

Estaríamos presenciando mais um ato de intolerância religiosa? Uma crise psicótica, movida por intolerância religiosa? Uma crise psicótica movida por delírios religiosos? Um fenômeno de possessão por espíritos malignos?

Delírios religiosos, associados a psicose sempre existiram, o que mudou foi a sua percepção através do tempo, pela psiquiatria. Na antiguidade, tudo que não fosse da religião “oficial”(cristã) era visto como superstição e delírio religioso. Ainda no século XX fenômenos de incorporação ou possessão, falar com espíritos ou vê-los, de religiões espiritualistas eram vistos desta forma. Apesar do mesmo, não ser visto como tal, quando eram de pessoas cristãs, onde esse fenômeno era concebido como “transes místicos divinos”. Não precisamos ir muito longe, é só lembrar de Joana D’Arc ou as mensagens recebidas de Maria de Fátima, por 03 crianças em 1917, até hoje lembrados por diversos cristãos.

Ao mesmo tempo, a crença que doenças podem ser causadas por espíritos ou demônios é compartilhada por diversas religiões, espiritualistas ou não. Não é por acaso que ainda hoje existe o exorcismo da Igreja Católica ou se faz descarrego nas Igrejas neo pentecostais. São estes últimos que mais vivem lembrando a existência do Demônio ou demônios e como ele exerce influencia para prática de outras religiões, que na sua compreensão “cultuam imagens” ou “cultuam o próprio demônio”, a ponto de religiões de matriz africana considerarem que os neo evangélicos demonizam suas religiões.

A relação entre delírios religiosos e religiosidade tem sido objeto de estudo pela psiquiatria há muito tempo. O que hoje se destaca é que estes devem ser observados e analisados diante do contexto sócio cultural da pessoa e no ambiente em que a pessoa vive e transita.

A psiquiatria atualmente considera estes delírios como um sintoma, onde seu conteúdo espiritual, místico ou religioso, são transtornos delirantes, com presença de alucinações visuais e auditivas, que podem incluir assassinato, suicídio e até auto mutilação. Eles podem incluir também delírios de grandeza (ser escolhido por Deus para fazer algum ato), ou de perseguição e controle ( vozes que indicam praticar um ato, para punir pecadores). Atos de violência podem ocorrer quando o delírio é persecutório e de controle. Um estudo sobre esse assunto de 2010, indica que “as pessoas que experimentam delírios religiosos estão preocupados com temas religiosos que não estão dentro das crenças esperados para o fundo de um indivíduo, incluindo a cultura, educação e experiências conhecidas de religião.

Em 2013, a comunidade afro brasileira foi pega de surpresa com um desses atos de delírio religioso, quando Yá Mukumby, líder do Candomblé e do Movimento Negro de Londrina, foi morta a facadas, por seu vizinho. Além de Yá Mukumby mais 03 pessoas foram mortas; sua mãe e neta e a própria mãe do rapaz em surto. Os relatos da época contam que ele pulou nu e atacou a família vizinha, após matar sua mãe que defendia sua mulher dele. Os relatos da época também contam que o rapaz no mesmo dia, havia realizado um trabalho e como estivesse falando coisas desconexas, amigos chamaram a ambulância e sua mulher. No hospital, foi atendido, medicado e liberado. Os crimes aconteceram, pouco tempo após chegarem em casa. No Terreiro de Yá Mukumby o rapaz também quebrou várias imagens.

Se a psicose é um distúrbio da percepção da realidade e seu estado se caracteriza por agitação, agressividade e impulsividade creio que em momentos de atos que não conseguimos pela lógica e percepção da realidade entender, não nos deixar levar pelos mesmos sentimentos.

As psicoses são transtornos mentais que afetam a capacidade da pessoa de discernir entre o que é e o que não é real. Seus sintomas mais característicos são: delírios, alucinações, desorganização do pensamento, da comunicação, e isolamento social. No caso de delírios religiosos os exemplos citados anteriormente são os mais comuns. Como são percepções que se repetem e se tornam fixas é muito difícil convencer a pessoa a perceber a natureza de seus pensamentos. Devido a estas vivências perturbadoras e de difícil compreensão, a pessoa afetada tende a se afastar de seus amigos e familiares, tendo dificuldade em manter seu trabalho ou os estudos como anteriormente.

É importante que a família ou pessoas próximas, identifiquem os sintomas e levem a pessoa a tratamento. O ideal é que a pessoa em sofrimento psíquico seja atendida por um psiquiatra, tenha prescrição de remédios e tenha atendimento psicoterapêutico, com psicólogo.

Mesmo este tratamento existindo de fato, é importante que se perceba quando há retorno de sintomas e se aja rápido. Serviços e profissionais de saúde precisam ser responsáveis. Em muitos casos, perceber e diagnosticar a pessoa em surto pode levar a internamento, para que em crise a pessoa não cometa atos contra si ou outros.

De outro lado, se como Bleuler comentou “os doentes nunca alucinam ou deliram por coisas insignificantes ou neutras do ponto vista afetivo” é importante que percebamos e combatemos todas as formas de fanatismo e intolerância religiosa, presentes no mundo. Estas tem contribuído em muito, para que delírios religiosos não tenham sido visto como transtornos mentais a serem tratados pela ciência. Alguns atos são estimulados e vistos como “normais” por alguns religiosos, que em seus púlpitos estimulam ataques a outras religiões e seus símbolos.

Tania Jandira R. Ferreira
Psicóloga Clínica e Social
Militante contra a intolerância Religiosa

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