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sábado, abril 19, 2014

GASTADORES E SOLITÁRIOS

Trago um ótimo artigo de Felipe Torres que saiu no Obvious, que nos traz o pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que adoro!

Com mais de 30 livros publicados no Brasil, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, 88, é um dos mais profícuos e renomados pensadores da contemporaneidade. Para ele, a sociedade enfrenta grave problema: “parece que o caminho para a felicidade passa, necessariamente, pelas compras. E as pessoas querem comprar os produtos e rapidamente descartá-los, substituindo por novos. Isso representa grande desperdício de recursos naturais do planeta”.
Para Bauman, a relação da sociedade com o consumismo é tão intensa, que se tornou comum as pessoas gastarem o dinheiro que não têm, por meio do crédito. São hábitos que convergem para o conceito de “liquidez” da sociedade pós-moderna, principal linha de raciocínio de sua obra.
“É uma metáfora simples. Nosso arranjo social, nos dias de hoje, se comporta como um líquido em um recipiente. Ou seja, não se mantém por muito tempo em um mesmo estado. Está sempre mudando. Enquanto gerações passadas se acostumaram a uma estabilidade de todas as coisas, o homem contemporâneo enxerga as rápidas mudanças nos partidos e movimentos políticos, nas causas, nas instituições que acabam, na moda, tudo muda várias vezes. Tenho 88 anos e já vi vários arranjos sociais”.
“Na modernidade líquida prevalece o deus do tipo ‘faça você mesmo’. Não um deus recebido, mas inventado individualmente”. Para além do âmbito religioso, o sociólogo afirma, ainda, que nos tornamos os nossos próprios poderes legislativos, executivos e judiciários.
Como contraponto a essa individualização, nos é oferecida a visão da internet como “presságio da visibilidade dos invisíveis, da audibilidade para os mudos, da ação para os incapazes de agir”. Na visão de Bauman, internet é sinônimo de liberdade, e precisaria ser inventada caso ainda não existisse.

Ele aproveita para ressaltar fenômenos inerentes à vida dois-ponto-zero: “as redes de relacionamento prometiam romper os limites da sociabilidade, mas não o fizeram e não o farão”, diz, após relembrar que por definição biológica nossas relações significativas estão limitadas a 150. Se além desse número as suas contas em mídias sociais somarem outros milhares de contatos, saiba: “são meros voyeurs”.
Isso porque na visão do autor vivemos em uma sociedade confessional, onde fazemos de tudo para aumentar o próprio “valor de mercado” por meio do marketing pessoal na web. “As pessoas são ao mesmo tempo promotores de mercadoria e as mercadorias que promovem”.
E como se pretendesse pôr em prova a teoria, questiona: “será que o sucesso do Facebook não é consequência de ele fornecer uma feira em que a necessidade pode encontrar-se todo dia com a liberdade de escolha?”
Além de individualistas, somos, para Bauman, vítimas da perversidade do mercado financeiro, responsável por nos transformar de consumidores inativos em multidões de gastadores e/ou devedores.
Ao citar o caso específico da população norte-americana, o sociólogo radicado na Inglaterra não mede palavras: “os Estados Unidos são famosos por quebrar recordes em todos os campos, e o da estupidez financeira nao é exceção”. Como exemplo do infame estímulo ao consumismo, menciona a publicidade “sob medida” oferecida pela internet, adaptada de acordo com o perfil de cada usuário (prática comum entre as gigantes da web, como o Google).

Se os jovens são enxergados como novos mercados prestes a serem explorados, ao mesmo tempo são surpreendidos com a falta de empregos e a desvalorização dos diplomas universitários. Assistem de longe às mudanças na “geografia do trabalho”: empregos migram para países em que “há poucas leis e regulamentos restringindo a liberdade dos capitalistas”.
Diante do cenário, Zygmunt Bauman mostra grande preocupação com a falta de preparo da juventude para enfrentar um mercado em transição, que talvez já esteja na era pós-industrial. Com cautela, ele lança mão das pesquisas: o 1% mais rico dos americanos não é mais formado por donos de indústrias, e sim por financistas, celebridades, designers. “Hoje, a fonte básica de riqueza e poder são conhecimento, inventividade, imaginação, capacidade de pensar e coragem para fazer de modo diferente”, sugere.


http://lounge.obviousmag.org/sarcasmo_e_sonho/2014/02/gastadores-solitarios-e-conectados.html

quinta-feira, abril 03, 2014

A Criança vista como um ser irracional

Entendendo que a infância é uma construção histórica, social e cultural, trago algumas concepções sobre a  infância na Idade Moderna, para podermos refletir como algumas dessas concepções persistem nos dias de hoje.

A Idade Moderna (1453-1789) é a época da Revolução Industrial. A produção econômica deslocou-se do campo para fábrica, que ficava na zona urbana. Nesta fase da humanidade a  criança começa a ser concebida como um “ser específico”, um ser diferente do adulto.

"A criança passa a receber atenções, as mais diversas, que a reduzem, entretanto, a um ser inocente, débil, fraco, imperfeito, irracional"(Peres).

As crianças eram vistas como objeto lúdico dos adultos. Na Europa  crianças pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas a vontade, tratadas como pequenos brinquedos.

“As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distração para crianças pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas à vontade, tratadas como pequenos brinquedos”. (Priore)
 “ As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos”( Priore)
Para os pais,  filhos eram vistos como obstáculos que atrapalhavam suas vidas social, emocional, conjugal e econômica. Muitas crianças eram abandonadas em orfanatos, entregues amas de leite, ou sofriam de infanticídio. Nas famílias menos abastadas o fator que mais influenciava era o econômico, filhos eram uma ameaça a sobrevivência dos pais. Famílias com maior poder econômico, colocavam suas filhas em conventos, a espera de um marido, que pudesse retirá-las deste lugar. Os filhos iam para os internatos, onde se pretendia que fossem educados.

Com a necessidade de se migrar para obter sustento, foi também necessário que as famílias fossem menores, para que seu deslocamento fosse mais fácil. A “família burguesa” começa a se tornar um ideal para a sociedade, onde a ênfase em se ter filhos não devia ser para  assegurar a continuidade de um ciclo, mas simplesmente para amá-los e ser amado por eles.

Esse ideal divulgado, no entanto trazia enormes contradições para as famílias da classe trabalhadora e  sobretudo as mulheres.
Nessa época o trabalho feminino nas fábricas fazia com que as mulheres, colocassem seus  filhos em casa de amas durante o dia, indo buscá-los a noite. Com o passar do tempo, foram criadas instituições de cuidado, guarda e abrigo para filhos de mulheres trabalhadoras, para que estas pudessem estar mais tempo no trabalho. As jornadas de trabalho eram extensas e o trabalho doméstico ainda era visto como sendo de responsabilidade da mulher.

As atividades de trabalho infantil, que sempre estiveram presentes na sociedade, sejam elas domésticas ou agrícolas, continuaram acontecendo depois da Revolução Industrial. Nas fábricas, além da inserção do trabalho da mulher constata-se a presença de crianças que representavam mão de obra barata, disciplinadas e com baixo poder reivindicatório.

É também na Idade Moderna, que a Igreja e o Estado começam a falar da educação como fator do desenvolvimento da criança, por que se tornou uma preocupação social. Os pais foram estimulados a que delegassem seus poderes e responsabilidades ao educador; com isso a família perde uma de suas funções – educar seus filhos.
A escola começa a substituir a aprendizagem familiar e se tornar uma instituição reservada à proteção das crianças, mesmo que diante de sua família, já que havia um enclausuramento da criança.

Os intelectuais e pensadores da modernidade viam a criança como um ser irracional, que vivia de acordo com os pensamentos e desejos dos outros. A imposição de castigos nesse período era um instrumento pedagógico de educação das crianças. Educar era concebido como um treino para a obediência e disciplina. A escola tinha o objetivo de corrigir as crianças que viviam em constante estado de pecado, gulosas, preguiçosas, indóceis, desobedientes, briguentas e faladoras. As crianças eram vistas como um material a ser moldado.


 


Neste período, a educação também era entendida como importante para preparar mão de obra, mas também havia uma distinção sobre a qualidade e o tipo de preparo que as distintas camadas sociais necessitavam. Os filhos dos burgueses eram preparados para ocupar altos cargos. Os filhos de famílias pobres muitas vezes não chegavam a ir para escola, e quando a frequentavam eram treinados para os trabalhos braçais como de carpinteiros, pedreiros ou agrícolas e mais tarde preparadas para a vida fabril.

No Brasil, nessa época,  ainda estávamos no período colonial e nossa economia era agrícola, mas os reflexos dessa concepção de infância eram sentidos. Os filhos dos senhores iam estudar a partir dos sete anos, cabendo aos filhos dos escravos trabalhar.

Como se pode perceber  algumas dessas situações e concepções acerca da infância continuam a persistir ainda hoje.


Muitos pais também ainda são negligentes com seus filhos, se omitindo em prover as necessidades físicas e emocionais destes, seja com a privação de medicamentos e atendimentos aos cuidados com a saúde, com descuido com a higiene, com o não estímulos e condições da criança freqüentar uma escola, dentre outros.
Além da negligencia, há em muitos casos violência psicológica, que se configura como a ação ou omissão que causa ou visa causar dano a auto estima e o desenvolvimento da criança, através de agressões verbais constantes, ameaças, insultos, humilhação, rejeição, depreciação, discriminação e desrespeito.

Há ainda casos de violência física que se baseia numa idéia de disciplinar seus filhos, que como vimos antes parte de uma concepção da irracionalidade da criança, como se o castigo físico pudesse trazer disciplina, necessária para estar no mundo adulto/racional.
Tanto a negligência como a violência em relação á criança não tem fronteira social. Ela se apresenta como um dado cultural, onde para alguns pais as crianças atrapalham sua vida pessoal.



A violência física e psicológica sobre crianças se apresenta em nossa sociedade também na escola e entre outros contatos que estas tem com adultos. E aqui não me refiro a uma palmada, com sentido de dar limite, mas surras, socos, pontapés, queimaduras, discriminações, preconceitos, humilhações. Nestes casos, as crianças pobres são as maiores vítimas, pois o imaginário social ainda as vê como um perigo potencial.

 



Finalmente podemos observar que a sociedade ainda entende que para os filhos de pobres o trabalho é necessário, que não causa dano e que estes são só responsabilidade de seus pais. Isso pode ser observado quando muitos ainda reclamam de benefícios sociais que vem sendo dadas a famílias para que seus filhos não necessitem trabalhar e permaneçam com suas famílias que mesmo pobres, não negligenciam o afeto que proporciona uma vivência da infância saudável.

Tania Jandira R. Ferreira
Obs: Esse artigo é parte de uma assessoria que dei aos educadores do Projeto Associação Roda Viva, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.