Com mais de 30 livros publicados no Brasil, o
sociólogo polonês Zygmunt Bauman, 88, é um dos mais profícuos e renomados
pensadores da contemporaneidade. Para ele, a sociedade enfrenta grave problema:
“parece que o caminho para a felicidade passa, necessariamente, pelas
compras. E as pessoas querem comprar os produtos e rapidamente
descartá-los, substituindo por novos. Isso representa grande
desperdício de recursos naturais do planeta”.
Para Bauman, a relação da sociedade com o
consumismo é tão intensa, que se tornou comum as pessoas gastarem o
dinheiro que não têm, por meio do crédito. São hábitos que convergem
para o conceito de “liquidez” da sociedade pós-moderna, principal linha de
raciocínio de sua obra.
“É uma metáfora simples. Nosso arranjo social,
nos dias de hoje, se comporta como um líquido em um recipiente. Ou seja, não se
mantém por muito tempo em um mesmo estado. Está sempre mudando. Enquanto
gerações passadas se acostumaram a uma estabilidade de todas as coisas, o
homem contemporâneo enxerga as rápidas mudanças nos partidos e movimentos
políticos, nas causas, nas instituições que acabam, na moda, tudo muda várias
vezes. Tenho 88 anos e já vi vários arranjos sociais”.
“Na modernidade líquida prevalece o deus do tipo
‘faça você mesmo’. Não um deus recebido, mas inventado individualmente”. Para
além do âmbito religioso, o sociólogo afirma, ainda, que nos tornamos os nossos
próprios poderes legislativos, executivos e judiciários.
Ele aproveita para ressaltar fenômenos inerentes à vida dois-ponto-zero: “as
redes de relacionamento prometiam romper os limites da sociabilidade, mas não o
fizeram e não o farão”, diz, após relembrar que por definição biológica
nossas relações significativas estão limitadas a 150. Se além desse
número as suas contas em mídias sociais somarem outros milhares de contatos,
saiba: “são meros voyeurs”.
Isso porque na visão do autor vivemos em uma sociedade confessional,
onde fazemos de tudo para aumentar o próprio “valor de mercado” por meio do
marketing pessoal na web. “As pessoas são ao mesmo tempo promotores de
mercadoria e as mercadorias que promovem”.
E como se pretendesse pôr em prova a teoria, questiona: “será que o sucesso
do Facebook não é consequência de ele fornecer uma feira em que a necessidade
pode encontrar-se todo dia com a liberdade de escolha?”
Além de individualistas, somos, para Bauman, vítimas
da perversidade do mercado financeiro, responsável por nos transformar
de consumidores inativos em multidões de gastadores e/ou devedores.
Ao citar o caso específico da população norte-americana, o sociólogo radicado
na Inglaterra não mede palavras: “os Estados Unidos são famosos por quebrar
recordes em todos os campos, e o da estupidez financeira nao é exceção”. Como
exemplo do infame estímulo ao consumismo, menciona a publicidade “sob medida”
oferecida pela internet, adaptada de acordo com o perfil de cada usuário
(prática comum entre as gigantes da web, como o Google).
Se os jovens são enxergados como novos mercados prestes a serem explorados,
ao mesmo tempo são surpreendidos com a falta de empregos e a
desvalorização dos diplomas universitários. Assistem de longe às
mudanças na “geografia do trabalho”: empregos migram para países em que “há
poucas leis e regulamentos restringindo a liberdade dos capitalistas”.
Diante do cenário, Zygmunt Bauman mostra grande preocupação com a falta de
preparo da juventude para enfrentar um mercado em transição,
que talvez já esteja na era pós-industrial. Com cautela, ele lança mão das
pesquisas: o 1% mais rico dos americanos não é mais formado por donos
de indústrias, e sim por financistas, celebridades, designers. “Hoje,
a fonte básica de riqueza e poder são conhecimento, inventividade, imaginação,
capacidade de pensar e coragem para fazer de modo diferente”, sugere.
http://lounge.obviousmag.org/sarcasmo_e_sonho/2014/02/gastadores-solitarios-e-conectados.html